Senado vota projeto que permite empresas gerenciar trabalho de presos no Brasil

Senado vota projeto que permite empresas gerenciar trabalho de presos no Brasil
Renata Britto 21 novembro 2025 9 Comentários

A Comissão de Segurança Pública (CSP) do Senado Federal do Brasil aprovou na terça-feira, 28 de outubro de 2025, o Projeto de Lei 352/2024 que abre espaço para empresas e entidades públicas administrarem o trabalho de detentos em presídios brasileiros. A medida, apresentada pelo senador Alan Rick (União-AC), não é apenas uma mudança administrativa — é um giro radical na forma como o país lida com a reinserção social. O projeto, que já passou por ajustes importantes, agora segue para a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), onde será analisado antes de ir a plenário. E o que está em jogo? A vida de mais de 800 mil pessoas encarceradas — e a segurança de todos nós.

Do Estado ao setor privado: uma mudança de paradigma

Até agora, o trabalho prisional no Brasil era exclusivamente responsabilidade do poder público — e, como todos sabem, o sistema penitenciário está à beira do colapso. Com déficit de 202 mil vagas, o país precisaria de R$ 14 bilhões só para construir novas unidades, segundo dados de novembro de 2025. Enquanto isso, presos passam meses ou anos sem atividade produtiva, sem perspectiva, sem rumo. O projeto de Alan Rick propõe algo simples, mas revolucionário: deixar de forçar o Estado a fazer o que ele não consegue e permitir que empresas, ONGs ou instituições de ensino assumam a gestão de oficinas dentro das prisões. A renda gerada com a venda de produtos — móveis, roupas, alimentos processados — pode ser reinvestida nas próprias atividades ou usada para pagar salários aos detentos. E não é só uma questão de eficiência. É de humanidade.

Um avanço civilizatório, diz Moro — mas com limites

O relator da matéria, Sérgio Moro (União-PR), chamou o projeto de "avanço civilizatório". E não foi só retórica. Moro retirou do texto original a exigência de que o preso pagasse indenização às vítimas antes de ter direito à progressão de regime — uma cláusula que, segundo ele, violaria a Constituição, que proíbe prisão por dívida. "Não podemos punir duas vezes", disse em seu relatório. Mas ele também propôs uma emenda: considerar como falta grave a recusa injustificada ao trabalho. Isso é polêmico. Alguns defensores dos direitos humanos temem que isso vire uma forma de coerção disfarçada. Mas Moro insiste: "A disciplina no trabalho é parte da recuperação. Quem não quer trabalhar, não quer mudar".

Quem ganha e quem perde com essa mudança?

As empresas, claro, ganham acesso a uma força de trabalho barata — e, segundo o senador Magno Malta (PL-ES), que apoia o projeto, com baixo índice de absenteísmo e alta produtividade. Presos que participam de programas de trabalho têm 30% menos chance de reincidir, segundo dados do Ministério da Justiça. Mas e os direitos dos detentos? A proposta exige que as oficinas respeitem normas de segurança, higiene e jornada de trabalho — e que os salários sejam depositados em contas bloqueadas, que só podem ser movimentadas após a liberação do preso. Ainda assim, há preocupação: será que empresas vão priorizar lucro ou reinserção? A resposta depende da fiscalização — e aqui, o Estado ainda está ausente.

Um contexto de crise e contradição

Um contexto de crise e contradição

Essa votação ocorre no mesmo mês em que a Câmara dos Deputados aprovou o "Marco Legal de Combate ao Crime Organizado" — um projeto que endurece penas e permite apreensão de bens antes da condenação. Enquanto um lado do Legislativo quer punir mais, o outro quer reintegrar. É uma tensão que define o Brasil hoje: prisões superlotadas, violência crescente, mas também uma nova geração de políticos dispostos a testar soluções inovadoras. O PL 352/2024 não é a salvação. Mas é um passo — e talvez o mais realista que o país já deu.

O que vem depois?

Agora, o projeto vai para a CCJ. Lá, será avaliado sob o prisma constitucional — e pode sofrer novas alterações. Se aprovado, seguirá para votação em plenário, onde precisa de maioria simples. A expectativa é que o debate ganhe força nos próximos meses, especialmente com a pressão de entidades como a Associação Brasileira de Criminologia e a Defensoria Pública da União, que já sinalizaram que vão monitorar de perto a implementação. O que não pode acontecer, dizem especialistas, é transformar a prisão em uma fábrica sem alma.

Por que isso importa para você?

Por que isso importa para você?

Porque o sistema prisional não é um lugar isolado. Presos saem. E quando saem sem qualificação, sem perspectiva, sem dinheiro — voltam. E levam consigo a violência, o desespero, o crime. Trabalho prisional bem feito não é caridade. É prevenção. É economia. É segurança pública. E, no fim, é o que separa uma sociedade que apenas punir de uma que tenta curar.

Frequently Asked Questions

Como funcionará o pagamento dos presos que trabalharem?

Os salários serão depositados em contas bloqueadas, controladas pelo sistema penitenciário. Apenas 25% do valor poderá ser retirado durante o cumprimento da pena, para compra de itens essenciais na cela. O restante fica retido até a liberação, quando o ex-detento pode usar para aluguel, transporte, roupas ou cursos — evitando que volte ao crime por falta de recursos.

Quais tipos de empresas podem participar?

Empresas de qualquer porte, ONGs, instituições de ensino técnico e até cooperativas de trabalho podem se candidatar. Mas precisam passar por avaliação do Ministério da Justiça e apresentar plano de capacitação, segurança e ética. Não serão aceitas empresas que tenham sido multadas por exploração de mão de obra ou que operem em setores ligados à violência, como armas ou jogos de azar.

O projeto força o preso a trabalhar?

Não. O trabalho é voluntário, mas recusa injustificada pode ser considerada falta grave, o que pode atrasar a progressão de regime. Isso não é punição por não trabalhar — é uma consequência de recusar a oportunidade de mudança. A ideia é incentivar, não obrigar. Ainda assim, a linha é tênue, e a fiscalização será essencial.

Esse modelo já foi testado em outros países?

Sim. Na Noruega, 70% dos presos trabalham em oficinas geridas pelo Estado — e a taxa de reincidência é de apenas 20%. Nos EUA, programas como o "Prison Industry Enhancement Certification Program" reduziram a reincidência em até 40%. O Brasil não está inventando nada — está tentando copiar o que funciona, com adaptações para nossa realidade caótica.

E se as empresas lucrarem demais com isso?

O projeto exige transparência: todos os contratos devem ser públicos, e os lucros das empresas estão limitados a 30% do faturamento das oficinas. O restante deve ser reinvestido na manutenção das atividades, pagamento de salários e programas de apoio. A ideia é que o modelo seja sustentável, não exploratório. Mas isso depende de fiscalização — e até agora, o Estado não tem mostrado capacidade para isso.

O projeto afeta os direitos dos presos?

Não, se for bem implementado. Pelo contrário: ele garante acesso a treinamento, salário e dignidade. Mas o risco existe: se a gestão for privatizada sem controle, pode virar um sistema de trabalho forçado disfarçado. A diferença entre ressocialização e escravidão moderna está na supervisão — e aqui, o Estado ainda tem muito que provar.

9 Comentários

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    Erielton Nascimento

    novembro 23, 2025 AT 11:32
    Isso é o mínimo que o sistema precisava há décadas. Preso trabalhando é preso com dignidade. Se ele ganha grana e aprende uma profissão, ele não volta pra cadeia. Ponto final.
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    Maiara Soares

    novembro 25, 2025 AT 06:20
    Mas vocês não veem o paradoxo? A sociedade quer punir e ao mesmo tempo ressocializar. É como querer que um leão seja vegetariano. A prisão não é lugar de terapia, é lugar de castigo. E se transformar em fábrica, a gente não está banalizando a dor?
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    Leonardo López Guillén

    novembro 26, 2025 AT 12:02
    Fala sério, Maiara. A prisão já é um inferno. Se a gente pode dar uma chance real de recomeço, por que não?
    Eu trabalho com ex-detentos e vi gente que virou marceneiro, costureiro, até cozinheiro. Eles não querem voltar pra rua sem nada. Eles querem ser úteis.
    Isso aqui não é caridade, é inteligência. E o salário bloqueado? Genial. Evita que o cara saia e gaste tudo no primeiro dia.
    Se o Estado não consegue fazer isso direito, deixa a iniciativa privada ajudar. Só precisa de fiscalização. E isso a gente pode construir.
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    Hálen Yuri Oliveira

    novembro 28, 2025 AT 07:08
    E se as empresa botar o preso pra fazer coisa perigosa? Tipo montar bomba ou algo assim? Não pode ser qualquer coisa. Tem que ter limite. E o que acontece se o preso recusar? Vai virar preso de novo por não trabalhar? Isso é coerção ou incentivo? Acho que a linha é fina.
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    ana paula teixeira rocha

    novembro 29, 2025 AT 01:15
    Ah, claro, porque não é óbvio que empresas vão lucrar com presos como se fossem escravos modernos? 😏
    Claro que sim. Mas tá tudo certo porque "é pra reinserção". Claro, claro. E aí quando o cara sair e ninguém quiser contratar ele por ter ficha? Aí a culpa é dele? 😂
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    Jose de Alcantara Xavier

    novembro 29, 2025 AT 15:22
    Isso é o começo do fim. Um dia vão dizer que preso tem direito a férias, a plano de saúde, a hora extra. E aí? Quem paga? O contribuinte? Não. O preso não é um cliente. É um criminoso. E criminoso tem que sofrer. Ponto.
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    Leonardo Netto

    novembro 30, 2025 AT 19:20
    E os dados da Noruega e EUA... são comparáveis? Lá tem prisões humanas, pouca superlotação, apoio psicológico. Aqui, o preso vive em um barraco com 100 pessoas e sem água. Será que o trabalho vai ter o mesmo efeito?
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    Paulo Garcia

    dezembro 1, 2025 AT 21:45
    Vocês estão discutindo como se isso fosse um programa social. É um negócio. Empresa vai entrar pra lucrar. E vai lucrar. E o Estado vai ficar de braços cruzados esperando que a moralidade do mercado resolva. Isso é pura irresponsabilidade. Sem fiscalização, isso vira escravidão com crachá. E aí quem paga? A sociedade. Porque o cara vai sair e continuar no crime. Só que agora com uma ficha de "ex-funcionário de empresa". Genial.
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    Ayrton de Lima

    dezembro 2, 2025 AT 23:49
    A verdadeira revolução aqui não é a gestão privada - é a redefinição ontológica do preso como sujeito de direitos, não como objeto de punição. A prisão, enquanto instituição, é uma construção discursiva da modernidade que se esqueceu de sua própria contradição: se o objetivo é a reintegração, então o sistema precisa ser produtivo, não punitivo. O capitalismo não é o vilão - ele é o instrumento. A falha está na ausência de um arcabouço ético que transcenda o lucro. Sem esse pilar, o projeto se torna uma máquina de produção de subjetividades colonizadas - e aí, sim, o Brasil estará apenas reproduzindo sua própria violência estrutural, agora com um logo de empresa e um contrato de prestação de serviços. E o pior? A maioria vai aplaudir. Porque é mais fácil acreditar em soluções tecnocráticas do que enfrentar a realidade da desigualdade.

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