Senado vota projeto que permite empresas gerenciar trabalho de presos no Brasil
A Comissão de Segurança Pública (CSP) do Senado Federal do Brasil aprovou na terça-feira, 28 de outubro de 2025, o Projeto de Lei 352/2024 que abre espaço para empresas e entidades públicas administrarem o trabalho de detentos em presídios brasileiros. A medida, apresentada pelo senador Alan Rick (União-AC), não é apenas uma mudança administrativa — é um giro radical na forma como o país lida com a reinserção social. O projeto, que já passou por ajustes importantes, agora segue para a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), onde será analisado antes de ir a plenário. E o que está em jogo? A vida de mais de 800 mil pessoas encarceradas — e a segurança de todos nós.
Do Estado ao setor privado: uma mudança de paradigma
Até agora, o trabalho prisional no Brasil era exclusivamente responsabilidade do poder público — e, como todos sabem, o sistema penitenciário está à beira do colapso. Com déficit de 202 mil vagas, o país precisaria de R$ 14 bilhões só para construir novas unidades, segundo dados de novembro de 2025. Enquanto isso, presos passam meses ou anos sem atividade produtiva, sem perspectiva, sem rumo. O projeto de Alan Rick propõe algo simples, mas revolucionário: deixar de forçar o Estado a fazer o que ele não consegue e permitir que empresas, ONGs ou instituições de ensino assumam a gestão de oficinas dentro das prisões. A renda gerada com a venda de produtos — móveis, roupas, alimentos processados — pode ser reinvestida nas próprias atividades ou usada para pagar salários aos detentos. E não é só uma questão de eficiência. É de humanidade.
Um avanço civilizatório, diz Moro — mas com limites
O relator da matéria, Sérgio Moro (União-PR), chamou o projeto de "avanço civilizatório". E não foi só retórica. Moro retirou do texto original a exigência de que o preso pagasse indenização às vítimas antes de ter direito à progressão de regime — uma cláusula que, segundo ele, violaria a Constituição, que proíbe prisão por dívida. "Não podemos punir duas vezes", disse em seu relatório. Mas ele também propôs uma emenda: considerar como falta grave a recusa injustificada ao trabalho. Isso é polêmico. Alguns defensores dos direitos humanos temem que isso vire uma forma de coerção disfarçada. Mas Moro insiste: "A disciplina no trabalho é parte da recuperação. Quem não quer trabalhar, não quer mudar".
Quem ganha e quem perde com essa mudança?
As empresas, claro, ganham acesso a uma força de trabalho barata — e, segundo o senador Magno Malta (PL-ES), que apoia o projeto, com baixo índice de absenteísmo e alta produtividade. Presos que participam de programas de trabalho têm 30% menos chance de reincidir, segundo dados do Ministério da Justiça. Mas e os direitos dos detentos? A proposta exige que as oficinas respeitem normas de segurança, higiene e jornada de trabalho — e que os salários sejam depositados em contas bloqueadas, que só podem ser movimentadas após a liberação do preso. Ainda assim, há preocupação: será que empresas vão priorizar lucro ou reinserção? A resposta depende da fiscalização — e aqui, o Estado ainda está ausente.
Um contexto de crise e contradição
Essa votação ocorre no mesmo mês em que a Câmara dos Deputados aprovou o "Marco Legal de Combate ao Crime Organizado" — um projeto que endurece penas e permite apreensão de bens antes da condenação. Enquanto um lado do Legislativo quer punir mais, o outro quer reintegrar. É uma tensão que define o Brasil hoje: prisões superlotadas, violência crescente, mas também uma nova geração de políticos dispostos a testar soluções inovadoras. O PL 352/2024 não é a salvação. Mas é um passo — e talvez o mais realista que o país já deu.
O que vem depois?
Agora, o projeto vai para a CCJ. Lá, será avaliado sob o prisma constitucional — e pode sofrer novas alterações. Se aprovado, seguirá para votação em plenário, onde precisa de maioria simples. A expectativa é que o debate ganhe força nos próximos meses, especialmente com a pressão de entidades como a Associação Brasileira de Criminologia e a Defensoria Pública da União, que já sinalizaram que vão monitorar de perto a implementação. O que não pode acontecer, dizem especialistas, é transformar a prisão em uma fábrica sem alma.
Por que isso importa para você?
Porque o sistema prisional não é um lugar isolado. Presos saem. E quando saem sem qualificação, sem perspectiva, sem dinheiro — voltam. E levam consigo a violência, o desespero, o crime. Trabalho prisional bem feito não é caridade. É prevenção. É economia. É segurança pública. E, no fim, é o que separa uma sociedade que apenas punir de uma que tenta curar.
Frequently Asked Questions
Como funcionará o pagamento dos presos que trabalharem?
Os salários serão depositados em contas bloqueadas, controladas pelo sistema penitenciário. Apenas 25% do valor poderá ser retirado durante o cumprimento da pena, para compra de itens essenciais na cela. O restante fica retido até a liberação, quando o ex-detento pode usar para aluguel, transporte, roupas ou cursos — evitando que volte ao crime por falta de recursos.
Quais tipos de empresas podem participar?
Empresas de qualquer porte, ONGs, instituições de ensino técnico e até cooperativas de trabalho podem se candidatar. Mas precisam passar por avaliação do Ministério da Justiça e apresentar plano de capacitação, segurança e ética. Não serão aceitas empresas que tenham sido multadas por exploração de mão de obra ou que operem em setores ligados à violência, como armas ou jogos de azar.
O projeto força o preso a trabalhar?
Não. O trabalho é voluntário, mas recusa injustificada pode ser considerada falta grave, o que pode atrasar a progressão de regime. Isso não é punição por não trabalhar — é uma consequência de recusar a oportunidade de mudança. A ideia é incentivar, não obrigar. Ainda assim, a linha é tênue, e a fiscalização será essencial.
Esse modelo já foi testado em outros países?
Sim. Na Noruega, 70% dos presos trabalham em oficinas geridas pelo Estado — e a taxa de reincidência é de apenas 20%. Nos EUA, programas como o "Prison Industry Enhancement Certification Program" reduziram a reincidência em até 40%. O Brasil não está inventando nada — está tentando copiar o que funciona, com adaptações para nossa realidade caótica.
E se as empresas lucrarem demais com isso?
O projeto exige transparência: todos os contratos devem ser públicos, e os lucros das empresas estão limitados a 30% do faturamento das oficinas. O restante deve ser reinvestido na manutenção das atividades, pagamento de salários e programas de apoio. A ideia é que o modelo seja sustentável, não exploratório. Mas isso depende de fiscalização — e até agora, o Estado não tem mostrado capacidade para isso.
O projeto afeta os direitos dos presos?
Não, se for bem implementado. Pelo contrário: ele garante acesso a treinamento, salário e dignidade. Mas o risco existe: se a gestão for privatizada sem controle, pode virar um sistema de trabalho forçado disfarçado. A diferença entre ressocialização e escravidão moderna está na supervisão — e aqui, o Estado ainda tem muito que provar.