Cronos: The New Dawn estreia com terror, escolhas difíceis e viagem no tempo na Polônia de 1980

Cronos: The New Dawn estreia com terror, escolhas difíceis e viagem no tempo na Polônia de 1980
Renata Britto 4 setembro 2025 0 Comentários

O que é Cronos: The New Dawn

Uma Polônia dos anos 80 que nunca existiu. Uma catástrofe que mistura corpos, memórias e culpa coletiva. É nesse cenário que Cronos: The New Dawn, novo survival horror da Bloober Team, abre suas portas. Lançado em 5 de setembro de 2025, o jogo aposta em uma realidade alternativa em que o país caiu antes da Cortina de Ferro e foi engolido por “A Mudança”, um evento misterioso que deformou cidades, pessoas e a própria noção de tempo.

No centro dessa história está O Viajante, um agente de postura fria e rosto encoberto, enviado por uma organização enigmática chamada O Coletivo. A missão não é salvar o mundo com heroísmo clássico. É viajar entre linhas do tempo, encontrar figuras-chave e extrair “essências” que talvez expliquem como evitar — ou reverter — a catástrofe. Cada salto temporal abre portas para cenas íntimas de vidas interrompidas e, ao mesmo tempo, levanta perguntas inquietas sobre quem está realmente no comando e a quem essas ações servem.

O palco principal é Cracóvia, com foco em Nowa Huta, distrito planejado no auge do realismo socialista e símbolo da industrialização pesada. A Bloober recria esse espaço com um cuidado incômodo: árvores de Natal ainda brilham em prédios estourados, cardápios anunciam pratos que nunca mais serão servidos, bilhetes de fábrica falam de turnos e metas que perderam o sentido. O cotidiano que sobrou dá peso às perdas e torna o horror mais próximo do real.

Circulando por ruas vazias e corredores de concreto, a ameaça tem nome: Órfãos, criaturas que parecem nascer do encontro de resíduo humano com tempo quebrado. Elas vagam e se fundem, como se o ambiente fosse um organismo que recicla corpo e trauma. O Viajante veste um traje metálico pesado, meio escafandro, meio traje espacial, que reforça a sensação de isolamento. Ele fala pouco, obedece muito — até que encontros com sobreviventes, como a figura conhecida como O Guardião, racham a couraça e colocam dúvida onde antes havia só ordem.

Em termos de combate, o jogo mistura ataque corpo a corpo com armas de fogo. Pistolas e espingardas ajudam a manter distância quando a coisa aperta, mas a violência não é gratuita, nem ilimitada. Um detalhe muda tudo na gestão de risco: inimigos abatidos precisam ser queimados. Se não, seus restos se fundem a outros corpos e voltam como ameaças maiores. É um empurrão claro para decisões rápidas e calculadas: gastar recursos agora ou lidar com um problema muito pior depois?

O ritmo é de exploração tensa e leitura de sinais. Em uma usina siderúrgica, aparecem memórias de operários, greves e atritos com autoridades quando o surto avançou. Em hospitais, registros fragmentados revelam médicos tentando entender por que pessoas começaram a se unir, literal e simbolicamente, em formas impossíveis. Esses subnúcleos criam laços afetivos com uma comunidade que, mesmo ausente, parece ainda bater nas paredes.

Cronos nasce de uma mistura que a Bloober conhece: terror atmosférico com camadas de psicologia e um interesse visível pela história recente da Polônia. Há ecos do body horror à moda Cronenberg, com corpos que não obedecem mais à biologia, e uma arquitetura narrativa que lembra quebras de linha temporal vistas em séries como Dark, só que filtradas por um ponto de vista polonês e pelo peso político de um estado policial em colapso.

Há, porém, um dilema central que o jogo não esconde: e se o personagem que controlamos for visto como o vilão pelos demais? Aos poucos, essa hipótese deixa de ser provocação e vira tema. As extrações de essência podem ser lidas como resgate científico — ou como profanação. A obediência ao Coletivo pode soar como dever — ou como cegueira. O jogo coloca o jogador no desconforto e pede que ele se responsabilize pelo que faz, não só pelo que enfrenta.

Como ele joga e por que importa

A engrenagem é de survival horror clássico com alguns parafusos a mais. A câmera favorece a atmosfera, os ambientes escondem rotas e atalhos, e o combate pune a pressa. A Bloober insiste em um terror que não grita o tempo todo, mas pesa no ombro: luzes tremendo, sons metálicos que lembram oficinas em atividade, sussurros fora de lugar. É um medo que vem do que não se entende e do que já não é possível consertar.

Os saltos temporais são o coração do design. Eles se expressam tanto na história quanto no espaço jogável. Abrir uma porta em uma linha altera a forma de navegar na outra; encontrar um personagem “antes” muda a leitura dos seus rastros “depois”. Nem tudo é explicado de imediato, e o jogo parece confortável em deixar o jogador se perder um pouco — o bastante para sentir a estranheza, não o suficiente para desligar. O risco, claro, é a narrativa se enrolar no próprio nó temporal.

Esse risco aparece com mais força no terço final. Parte das análises iniciais elogia a construção do mundo e a coragem temática, mas aponta que o clímax se inclina para um labirinto de regras temporais que nem sempre pagam a expectativa. Quando o texto tenta dar todas as respostas, surge a sensação de excesso de explicação técnica. Ao mesmo tempo, o protagonista de rosto coberto e fala medida, que faz sentido no tema do jogo, pode criar uma barreira emocional com quem joga.

Apesar disso, o roteiro dá espaço para pequenas faíscas humanas. O Guardião funciona como contraponto moral, forçando O Viajante a refletir sobre o que está fazendo ali. Outros sobreviventes deixam cartas, fitas e objetos que contam histórias de família, medo e teimosia. Esse contraste dá ao jogador uma âncora afetiva num jogo que poderia ser puramente cerebral.

Em Nowa Huta, o cenário não é só pano de fundo. O distrito foi concebido nos anos 50 para ser a “cidade ideal” socialista, com largas avenidas, blocos de moradia e uma siderúrgica gigantesca. Nas décadas seguintes, ali fervilharam tensões trabalhistas e a organização de movimentos que sacudiram o regime. Colocar um horror sobrenatural nesse lugar ressoa porque a paisagem carrega disputas reais de poder, controle e resistência. Quando o jogo mostra cartões de ponto, quadros de avisos e corredores industriais como labirintos, ele está tocando numa memória coletiva.

Em design, isso vira exploração cuidadosa. Sinalizações industriais viram pistas; plantas de fábrica, que pareciam burocráticas, apontam rotas seguras ou armadilhas; salas de manutenção escondem atalhos e recursos. E o som — de válvulas, esteiras, ferros batendo — vira música de fundo para encontros com os Órfãos, que rompem o silêncio com ruídos úmidos e passos descompassados.

No combate, decisão é tudo. Atacar de perto é arriscado, mas pode economizar disparos. Usar arma de fogo dá fôlego, mas chama atenção e, claro, cobra em recursos. Como os inimigos derrotados precisam ser queimados para não voltarem mais fortes, cada confronto vira uma conta: quanta segurança eu compro agora para não pagar caro depois? Esse microcálculo sustenta a tensão por horas.

O inventário segue a lógica do “carregue o que dá, use quando não tiver alternativa”. Em vez de uma chuva de upgrades, o jogo prefere mudanças pontuais que influenciam a abordagem. O mapa se abre devagar, com portas que pedem chaves específicas, mecanismos que exigem passos em mais de uma linha temporal e retornos a locais conhecidos para extrair uma nova peça de informação. É familiar para quem gosta do gênero, mas o tema temporal dá uma cara própria ao backtracking.

Os encontros narrativos pedem escolhas que raramente são preto no branco. A extração de uma essência pode salvar um grupo no futuro, mas condenar alguém no presente. Ajudar um sobrevivente agora pode mudar quem ele se torna na linha seguinte. O jogo não vende finais “certos”; empurra o jogador para assumir autoria, mesmo quando a ação vem sob ordens do Coletivo.

Há também uma conversa com a tradição da própria Bloober Team. Em Layers of Fear, a casa era um labirinto mental; em The Medium, o mundo dos vivos e o espiritual se sobrepunham. Em Cronos, a casa é a cidade, e as camadas são temporais, políticas e biológicas. O body horror aqui não é só um choque visual; é comentário sobre como sistemas esmagam indivíduos e como a tecnologia, quando mal usada, transforma gente em material.

A estética ajuda a amarrar tudo isso: luz vermelha de emergência pintando corredores, poeira de concreto no ar, vitrines quebradas com decorações de Natal ainda penduradas. Em restaurantes, cardápios ainda prometem “hoje tem” para um público que não volta. Essa insistência no detalhe cotidiano dá credibilidade ao absurdo. Não é fantasia distante; é um lugar real, virado do avesso.

Em termos práticos, as primeiras horas funcionam como um contrato. O jogo mostra que não vai inundar o jogador com sustos fáceis, que vai exigir atenção à leitura de ambiente e que decisões têm custo. Quem entra esperando um shooter acelerado esbarra em portas trancadas, rotas que pedem observação e inimigos que punem a imprudência. Quem aceita o passo mais lento encontra camadas e histórias paralelas que recompensam a curiosidade.

Plataformas não faltam. O lançamento é simultâneo em PlayStation 5, Windows, Xbox Series X/S e macOS, com uma versão para Nintendo Switch 2 planejada para depois. É sinal de que a Bloober enxerga esse projeto como aposta global e quer que a comunidade de terror, espalhada por diferentes ecossistemas, tenha acesso ao mesmo tempo.

Em termos de recepção, o consenso inicial aponta um trabalho de ambientação acima da média e uma coragem rara em lidar com temas espinhosos — poder, responsabilidade e o preço de “mexer” no tempo. No outro prato da balança, há quem ache que o terceiro ato se enrola em suas próprias regras temporais e que a máscara do protagonista dificulta a conexão emocional. Faz parte do pacote: um jogo que prefere provocar do que consolar.

Se você gosta de terror “só para gritar”, Cronos não é esse jogo. Se gosta de desconforto que cresce aos poucos, decisões que incomodam e um mundo que parece respirar pela ferida, aqui tem material de sobra. O que começa como missão técnica do Coletivo vira um espelho torto: até onde vamos para consertar um desastre que talvez nós mesmos criamos?

Para quem curte um guia rápido, aqui vão os pontos essenciais da experiência e do lançamento:

  • Ambientação: Polônia alternativa dos anos 80, com foco em Nowa Huta, em Cracóvia, tomada por “A Mudança”.
  • Protagonista: O Viajante, agente do Coletivo, enviado para extrair essências viajando no tempo.
  • Ameaças: Órfãos, criaturas que se fundem a restos e voltam mais fortes se não forem queimadas após a derrota.
  • Jogabilidade: mistura de combate corpo a corpo e armas de fogo, exploração meticulosa e escolhas morais com impacto.
  • Narrativa: moral ambígua, questionamentos sobre responsabilidade e identidade; influência de body horror e ficção temporal.
  • Cenários-chave: siderúrgica com narrativas de trabalhadores e hospitais com tentativas fracassadas de conter o surto.
  • Lançamento: 5 de setembro de 2025 para PS5, Windows, Xbox Series X/S e macOS; versão de Switch 2 planejada.

Cronos: The New Dawn não esconde que quer ser lembrado mais pelo que cutuca do que pelo que explica. A Bloober dá continuidade a uma trajetória de terror que confia no jogador para preencher vazios, embrulha isso num retrato duro de uma Polônia que poderia ter sido e amarra com um sistema de jogo que recompensa decisão e atenção. Mesmo quando tropeça na própria ambição, segue sendo difícil tirar os olhos — ou os ouvidos — de um mundo que insiste em conversar com o nosso.

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