Governo propõe reduzir benefício do PIS/PASEP para quem ganha acima de 1,5 salário mínimo
Em meio a um pacote de ajuste fiscal, o Fernando Haddad, ministro da Fazenda, anunciou nesta semana mudanças profundas no programa do PIS/PASEP — um benefício que, por décadas, foi visto como um "décimo terceiro" para os trabalhadores de baixa renda. A proposta, apresentada em 27 de novembro de 2024 e detalhada em coletiva no dia seguinte, prevê reduzir gradualmente o teto de renda para receber o abono salarial: de dois salários mínimos para apenas 1,5 salário mínimo até 2035. Para os pagamentos de 2025, o limite será de R$ 2.640, valor correspondente ao salário mínimo de 2023 (R$ 1.320), que ainda serve como referência para cálculos deste ano. A mudança, que precisa ser aprovada pelo Congresso Nacional, pode deixar quase 2 milhões de trabalhadores sem direito ao benefício nos próximos anos — e já alimenta boatos e golpes na internet.
Por que o PIS/PASEP está sendo redefinido?
O ministro Haddad foi direto: "Num certo sentido perdeu a sua razão de ser". Ele argumenta que, com a expansão de programas como o Bolsa Família, o auxílio emergencial e o Benefício de Prestação Continuada (BPC), o abono salarial — criado em 1970 — já não cumpre mais seu papel original de complementar a renda dos mais pobres. Hoje, quem recebe o PIS/PASEP muitas vezes já está em outros programas sociais. A ideia é direcionar os recursos para onde a necessidade é mais aguda. "Não faz sentido manter um benefício que, na prática, já é redundante", disse Haddad na coletiva.Como funciona o abono hoje — e como vai mudar?
Atualmente, para ter direito ao PIS/PASEP, o trabalhador precisa:- Estar inscrito no PIS/PASEP ou no CNIS há pelo menos cinco anos;
- Ter trabalhado com carteira assinada por pelo menos 30 dias em 2023 (para o pagamento de 2024);
- Ter recebido, em média, até dois salários mínimos mensais no ano-base;
- Ter os dados corretamente informados pelo empregador via RAIS ou eSocial.
Em 2025, o limite cai para R$ 2.640 — e será reajustado anualmente pelo INPC. Em 2026, passa para R$ 2.400 (1,8 salário mínimo, considerando reajuste estimado). Em 2030, será de R$ 2.000. E em 2035, apenas quem ganha até R$ 1.980 (1,5 salário mínimo) terá acesso. A redução progressiva é estratégica: evita um choque brusco e dá tempo aos trabalhadores e ao mercado para se adaptar.
As economias previstas são pesadas: R$ 1,2 bilhão em 2026, subindo para R$ 6,7 bilhões por ano em 2030. Isso equivale a quase 1% do déficit primário do governo em 2024. "É um corte inteligente, não um ataque aos pobres", defende o economista Luiz Gonzaga Belluzzo, da USP. "O PIS/PASEP virou um benefício universal disfarçado. A reforma o devolve ao seu propósito original.""
Quem vai perder o benefício?
A estimativa do Ministério da Fazenda é de que, em 2025, cerca de 1,8 milhão de trabalhadores deixem de receber o abono — 40% a mais que em 2024. A maioria são trabalhadores informais que tiveram um mês de carteira assinada, ou funcionários de pequenas empresas que ganham pouco, mas acima do limite. Muitos deles, segundo pesquisas do Ipea, já recebem o Bolsa Família. "Eles não são ricos, mas não são os mais vulneráveis", explica a economista Cláudia Costa, do FGV Social. "O PIS/PASEP hoje beneficia quem ganha R$ 2.600, mas quem ganha R$ 1.800 e tem filhos pequenos é que realmente precisa de apoio. A reforma corrigiria essa distorção."
Os golpes que estão surgindo — e como se proteger
Enquanto o debate avança no Congresso, redes sociais e aplicativos de mensagens já estão repletos de mensagens falsas. Um vídeo no YouTube intitulado "Haddad detalha novos critérios e redução do abono PIS/Pasep" — que não é oficial — sugere que "o governo vai tirar o PIS/PASEP desses trabalhadores" e direciona para sites não autorizados. Outros boatos afirmam que "Haddad criou um site para resgatar valores esquecidos".É tudo mentira.
Os únicos canais legítimos para sacar o PIS/PASEP são:
- Para trabalhadores da iniciativa privada: Caixa Econômica Federal, por meio do app Caixa Tem, cartão cidadão, lotéricas ou agências da Caixa;
- Para servidores públicos e funcionários de estatais: Banco do Brasil, por TED, PIX ou em agências físicas.
Não existe site oficial do Ministério da Fazenda nem de Haddad para "resgatar PIS esquecido". Qualquer site que peça senha, CPF ou dados bancários para isso é golpe. A Caixa e o BB já emitiram alertas oficiais. Em junho de 2024, o governo fez um pagamento extraordinário de R$ 1,5 bilhão para 1,6 milhão de trabalhadores cujos dados tinham sido mal informados — mas isso foi um ajuste técnico, não um "resgate". Os valores só podem ser sacados até 29 de dezembro de 2025.
O que vem a seguir?
O presidente do Senado Federal, Rodrigo Otávio Soares Pacheco, afirmou que quer votar a proposta antes do recesso parlamentar, em 22 de dezembro de 2024. Mas o caminho é longo: primeiro, a Câmara dos Deputados analisa o projeto em comissões, depois vai ao plenário. Só depois, o Senado. A pressão dos sindicatos e de partidos da base governista pode atrasar o processo — ou até forçar uma revisão do teto final.Se aprovada, a mudança não afetará quem já tem direito ao benefício em 2024. Mas quem trabalhou em 2024 e quer sacar em 2025 já será afetado pelo novo limite. O governo diz que vai ampliar campanhas de informação, especialmente em estados com alta concentração de trabalhadores de baixa renda, como Bahia, Pernambuco e Minas Gerais.
Contexto histórico: o PIS/PASEP e o Brasil que mudou
Criado em 1970, o PIS/PASEP foi originalmente pensado como um fundo de participação nos lucros das empresas — um incentivo para que trabalhadores tivessem um "extra" no fim do ano. Nos anos 1990, virou um abono salarial universal para quem ganhava até dois salários mínimos. Nos últimos 15 anos, com a expansão da formalização e dos programas sociais, o benefício passou a ser recebido por pessoas que não precisam dele. Em 2023, foram pagos R$ 24,6 bilhões a 24,5 milhões de pessoas — quase 12% da população economicamente ativa.Comparado a outros países, o Brasil é um dos poucos que mantém um benefício tão amplo e sem vinculação direta à pobreza. A Argentina, por exemplo, tem um "ajuste de salário mínimo"; a Colômbia, um "subsídio de renda mínima". O Brasil, por décadas, manteve o PIS/PASEP como um "direito de todos" — mesmo quando a economia mudou.
Agora, o governo quer alinhar o benefício à realidade atual. A pergunta que fica: será que essa mudança é justa — ou apenas um corte disfarçado?
Frequently Asked Questions
Quem ainda vai receber o PIS/PASEP em 2025?
Apenas trabalhadores que ganharam, em média, até R$ 2.640 em 2023 — valor baseado no salário mínimo de 2023 (R$ 1.320). Mesmo quem ganhou R$ 2.700 em 2023 não terá direito. O critério é a média anual, não o salário atual. Quem teve apenas 30 dias de carteira assinada e ganhou R$ 2.600 por mês nesse período ainda pode receber.
Existe algum site oficial para consultar ou sacar o PIS/PASEP?
Não. O único site oficial é o da Caixa Econômica Federal (caixa.gov.br) para trabalhadores da iniciativa privada, e o do Banco do Brasil (bb.com.br) para servidores públicos. Qualquer outro site que prometa "resgatar valores esquecidos" ou "liberar benefício por Haddad" é golpe. O governo não criou nenhum portal novo para isso.
O que fazer se eu já tiver o dinheiro liberado, mas não sacar até dezembro de 2025?
Se o valor já estiver disponível na sua conta da Caixa ou BB, você pode sacar até 29 de dezembro de 2025. Após essa data, o dinheiro volta para o fundo do PIS/PASEP e é redistribuído entre os elegíveis do ano seguinte. Não há prorrogação nem resgate fora do prazo, mesmo que o benefício tenha sido pago por erro.
E se eu tiver mais de cinco anos de contribuição, mas ganhar R$ 3.000? Vou perder o benefício mesmo assim?
Sim. A regra é simples: renda média acima de R$ 2.640 em 2023 = sem direito ao abono em 2025, mesmo que você tenha 20 anos de contribuição. O programa não é mais um prêmio por tempo de serviço — é um auxílio de renda. Quem ganha mais que isso, mesmo que tenha trabalhado muito, não se enquadra no novo perfil de beneficiário.
Como saber se meus dados estão corretos no CNIS?
Acesse o site do CNIS (meu.inss.gov.br), faça login com o gov.br e verifique sua folha de contribuições. Se houver faltas ou inconsistências, entre em contato com seu empregador para corrigir. Se o empregador não agir, você pode protocolar uma reclamação no INSS. A correção precisa ser feita até junho de 2025 para garantir o pagamento de 2026.
A redução do PIS/PASEP vai afetar os aposentados?
Não. O abono salarial é exclusivo para trabalhadores ativos que tiveram carteira assinada no ano-base. Aposentados, mesmo que tenham contribuído por décadas, não recebem PIS/PASEP. O benefício não é uma pensão, nem um complemento de aposentadoria — é um pagamento ligado ao emprego atual.