Centrão negocia com STF redução da pena de Bolsonaro e prisão domiciliar por saúde, dizem interlocutores

Centrão negocia com STF redução da pena de Bolsonaro e prisão domiciliar por saúde, dizem interlocutores
Renata Britto 18 setembro 2025 0 Comentários

O que está em jogo

Aliados do Centrão afirmam que líderes do bloco, sob a articulação do deputado Hugo Motta (Republicanos-PB), abriram um canal discreto com ministros do STF para redesenhar a execução da pena de Jair Bolsonaro. O objetivo: reduzir o total da condenação e viabilizar que ele cumpra a punição em casa, amparado por laudos médicos, sem abrir a porta para uma anistia ampla — ponto visto como politicamente tóxico.

Segundo esses interlocutores, o rascunho do entendimento parte da condenação já imposta pela Primeira Turma: 27 anos e 3 meses por tentativa de golpe de Estado, organização criminosa armada, abolição do Estado Democrático de Direito, dano qualificado ao patrimônio e deterioração de bens públicos. A peça central das conversas é ajustar a dosimetria e as condições de cumprimento.

O desenho discutido prevê cortar 6 anos e 8 meses do total e, paralelamente, autorizar a transição direta para prisão domiciliar por razões médicas, com monitoramento e restrições. O aceno à base bolsonarista viria na forma de um gesto humanitário; o recado ao Congresso, na recusa expressa à anistia, que continua fora da mesa.

Até aqui, não há nota oficial do Supremo nem de Hugo Motta. Parlamentares e auxiliares do Planalto ouvidos reservadamente tratam o movimento como uma tentativa de estabilizar o ambiente político num ano em que a temperatura institucional segue alta. A leitura é simples: reduzir a pena e trocar o cárcere fechado por domiciliar pode poupar o sistema prisional de um impasse, sem desautorizar as condenações já firmadas.

Nos bastidores, há sinais de divisão. Uma ala do bolsonarismo exige anistia total; outra, mais pragmática, vê na calibragem da pena e na domiciliar um caminho de “descompressão”. Entre ministros, há quem rejeite qualquer arranjo que pareça casuísmo — e quem enxergue espaço jurídico, desde que amarrado a critérios técnicos e a laudos oficiais.

  • Redução de 6 anos e 8 meses na pena total, via revisão de dosimetria.
  • Rejeição explícita a anistia no Congresso neste momento.
  • Possibilidade de reavaliar pontos da sentença por embargos e agravos.
  • Autorização para prisão domiciliar com base em laudos médicos atualizados.
  • Regime fechado permanece como regra formal, mas a execução ocorreria em casa.

A engrenagem política por trás do acordo é conhecida: o Centrão tenta oferecer uma saída que não quebre a espinha dorsal de nenhuma das forças em campo. Se funcionar, o bloco capitaliza influência no Judiciário e no Executivo, enquanto sinaliza à oposição que haverá limites. Se falhar, a conta recai sobre quem for visto como autor do “acerto”.

Os caminhos jurídicos e o fator saúde

No plano jurídico, a via possível passa por etapas que, em tese, cabem no manual. A defesa pode pressionar por embargos de declaração para ajustar a dosimetria — discutindo frações de aumento, concurso de crimes, atenuantes e a própria fixação de penas-base. Há ainda agravos ao Plenário e, em última instância, revisão criminal. Não é um atalho; é um percurso conhecido por quem atua nas cortes superiores.

Sobre a execução, a Lei de Execução Penal prevê hipóteses restritas de prisão domiciliar para condenados, sobretudo em regime aberto, mas a jurisprudência já admitiu exceções por quadro clínico grave, quando o sistema prisional não consegue garantir tratamento adequado. Em casos rumorosos, decisões pontuais autorizaram saída temporária para terapias, internações custeadas pelo Estado e, mais raramente, domiciliar humanitária.

É aqui que entra a saúde de Bolsonaro como peça-chave. Relatórios médicos recentes apontam anemia e pneumonia residual, além da remoção de duas lesões cutâneas com diagnóstico de câncer de pele. Os exames levaram seus advogados a argumentar que o cumprimento de pena em uma unidade como a Papuda, em Brasília, traria riscos desnecessários. A alternativa seria manter controle judicial rígido, com perícias periódicas, uso de tornozeleira e restrição de visitas.

Como se amarra isso no papel? Um cenário possível é a Primeira Turma sinalizar, em embargos, ajustes finos na pena e, paralelamente, admitir a domiciliar por tempo determinado, condicionada a laudo de junta médica oficial. O modelo já foi visto em processos criminais de outros réus com comorbidades, em que o juiz da execução penal revisita a medida a cada 60 ou 90 dias.

Há ainda a matemática da progressão. Com a pena recalibrada, o tempo para migração de regime fica menor. Embora os crimes imputados a Bolsonaro não sejam catalogados como hediondos, o histórico de decisões do Supremo sobre os atos antidemocráticos de 8 de janeiro elevou parâmetros de punição. Nesse contexto, qualquer redução — ainda que modesta — tem impacto real no horizonte de cumprimento.

Do lado político, a recusa à anistia não é detalhe. Um perdão legislativo, agora, reabriria feridas e ampliaria o desgaste do Congresso com a opinião pública. A aposta do Centrão, segundo aliados, é separar pacificação de impunidade: manter a condenação, reduzir a temperatura e evitar um novo round de confronto entre Poderes.

Reações no entorno do Supremo variam. Ministros de perfil garantista tendem a olhar com simpatia para pedidos ancorados em laudos consistentes, desde que não pareçam privilégio de réus famosos. Outros exigem transparência total: perícias independentes, cronograma de tratamento, fiscalização eletrônica e possibilidade de revogação imediata em caso de descumprimento.

A defesa de Bolsonaro trabalha em duas frentes. Na técnica, foca em fissuras da dosimetria, argumentando que a pena final ficou acima do razoável para o conjunto de crimes e circunstâncias. Na humanitária, prepara um dossiê médico robusto para sustentar que a prisão domiciliar não é um prêmio, mas a única forma segura de execução da pena, dado o quadro clínico.

E como isso conversa com a militância? Líderes próximos ao ex-presidente tentam administrar expectativas: não haverá anistia agora, e a aposta é numa solução “vigilante, mas em casa”. O discurso mira o eleitorado mais amplo, que rejeita radicalizações. O risco, claro, é a ala mais ruidosa interpretar qualquer acordo como rendição.

Por fim, há o fator imprevisibilidade. A negociação depende de votos numa Turma dividida, de laudos médicos sem contradições e de um clima político que muda de hora em hora. Se uma dessas peças sair do lugar — uma recaída de saúde, uma manifestação pública de um ministro, um vazamento fora de hora — o tabuleiro inteiro pode ser refeito.

Por ora, o quadro é este: um rascunho de acordo que pretende reduzir a pena, barrar a anistia e deslocar a execução para o ambiente doméstico, sob forte controle judicial. Falta o que quase sempre falta em Brasília: a formalização por escrito e os votos que transformam conversa de bastidor em decisão com carimbo do Supremo. Até lá, tudo segue no terreno das tratativas e das versões.

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